sábado, 26 de junho de 2010

Abrindo os serviços

O kinoglaz - Cine-olho

Alô gente!!!! Pensei que estava atrasada na testagem dessa nova abertura para o presente-futuro do Projeto Vídeo em Cena, mas parece que estou inaugurando os serviços!!!!! Vai então um abraço forte para Mônica Lobo, a parteira do blog e um "boas vindas" caloroso para todos que virão depois de mim!

Não dá pra não falar um cadinho que seja a respeito de cinema no blog de um Projeto que pretende "usar" o cinema para falar, pensar e provocar mudanças sobre nossa vida cotidiana.
Escolhi um frame do Dziga Vertov, esse olho por trás de uma lente, como primeira postagem por vários motivos: primeiro, porque considero o Vertov bárbaro; segundo, porque nosso Projeto lida com a questão do olhar, dos olhares; terceiro, porque remete também à questão das lentes que usamos para ver/pensar o mundo. Não vai dar prá falar disso tudo agora, mas devagarinho vou trazendo as propostas para reflexão.

Por hoje, vou no básico: o que é frame? Quem é Dziga Vertov?

Frame - termo em inglês que designa um fotograma ou quadro.

Dziga Vertov
Filho de judeus intelectuais residentes em Bialystok, Rússia, Dziga Vertov nasceu Denis Kaufman em 1896. Estudou música no conservatório da cidade até a invasão alemã que o obrigou a mudar-se para Moscou. Lá, trava conhecimento com o Futurismo de Marinetti, enquanto se dedica à poesia e à ficção científica. Neste momento adota o pseudônimo: Dziga Vertov – Vertov é derivado do verbo girar, rodar ou fazer rodar; Dziga, segundo o próprio, é a onomatopéia do girar da manivela em uma câmara (dziga, dziga,...). Assim, Dziga Vertov se identifica como uma máquina que ainda não filma, mas que registra e percorre o mundo com os olhos, um ser-máquina.


Em 1916 vai para St. Petersburg estudar medicina, ao mesmo tempo em que inicia experiências de montagens a partir de gravações sonoras. Dois anos depois dá partida na carreira cinematográfica como diretor do primeiro programa oficial de atualidades, o cinejornal Kinonedelia (ver Manifestos). Conhece sua futura colaboradora e esposa, Elizaveta Svilova, com quem formará mais tarde o Conselho dos Três. Em 1922, batiza seu trabalho próprio Kinopravda, em homenagem ao jornal fundado por Lênin. Vertov, seu irmão Phillip Kaufman e Elizaveta formam o Conselho dos Três acerca dos trabalhos do Kinopravda. Em 1922 publicam a Resolução do Conselho dos Três, decretando a morte do cine-drama alemão e da "ausência de fundamento do cinema americano", embora o próprio manifesto faça ressalvas sobre "a velocidade das imagens e os grandes planos".

O relato de seu primeiro contato com o cinema revela já certas concepções futuras. Ele narra:

"Eu lembro de meu debut no cinema. Foi totalmente estranho. Não envolveu uma filmagem, mas um pulo, uma das mil e uma estórias de uma casa de verão ao lado de uma gruta [...]. O cameraman havia pedido para gravar meu pulo de modo que toda queda, minha expressão facial, todos os meus pensamentos pudessem ser vistos. Fui para cima da gruta, em sua beirada, pulei, gesticulei como se fosse um véu e caí. O resultado, em filme, foi o que descrevo abaixo: Um homem se aproxima à borda da gruta; medo e indecisão em sua face; ele pensa ‘não vou pular’. Então, decide: ‘Não, será embaraçoso, todos estão vendo’. Mais uma vez ele se aproxima da borda, mais uma vez ele mostra indecisão. Então, sua determinação cresce e ele diz para si mesmo, ‘eu devo’, e deixa a beirada da gruta. Ele voa através do espaço, voa sem equilíbrio; acha que deve se posicionar para aterrizar em pé. Ele se ajeita [...], mais uma vez sua expressão revela indecisão, medo. Finalmente seu pé toca o chão. Imediatamente constata que manteve o equilíbrio. Depois acha que pulou bem mas não deveria tê-lo feito como um acrobata que executa uma manobra complicada no trapézio, e finge que foi terrivelmente fácil. E com essa expressão ele flutua lentamente. [...] Do ponto de vista do olho ordinário vemos mentiras. Do ponto de vista do olho cinemático (auxiliado por métodos cinematográficos especiais, neste caso, filmagem acelerada) vemos verdades. Se é uma questão de ler os pensamentos de alguém à distância (e muitas vezes o que nos interessa não é ouvir as palavras da pessoa, mas ler seus pensamentos) então, eis a oportunidade. Ele pode ser revelado pelo Kinoglaz (o cine-olho)."

O cine-olho nada mais é do que a substituição da percepção humana, por ele considerada defeituosa e por demais "psicológica", pela perfeição da máquina. Vertov chega a clamar por uma sociedade elétrica, cujo homem ideal seria o homem máquina; o valor da máquina, sua exatidão, estaria atrelada não a "produtividade", mas à consciência de uma mudança de comportamento: “Ao revelar a alma da máquina, promovendo o amor do operário por seu instrumento, da camponesa por seu trator, do maquinista por sua locomotiva, nós introduzimos a alegria criadora em cada trabalho mecânico, nós aproximamos os homens das máquinas, nós educamos os novos homens”.

O novo homem, libertado da canhestrice e da falta de jeito, dotado dos movimentos precisos e suaves da máquina, será o tema nobre dos filmes. Vertov não prega uma sociedade cibernética. Ele pensa o cinema como arma contra a dominação; como organismo autônomo que não carece do "auxílio" de outras artes. Como forma de suplantar a ignorância e de arregimentar pessoas contra a exploração, o vício, a religião.

Entusiasmo ou Sinfonia dos Donbas, filme de 1930, trata objetivamente desta superação. Nas primeiras cenas, somos chamados à realidade: Vertov nos mostra a religião que prejudica os princípios de uma revolução, os bêbados e drogados sem lar, alienados de suas potencialidades. As cenas são montadas como um imenso "estado", uma situação de caos e miséria, a princípio, irreversível. Depois, vemos pessoas que auxiliam os bêbados, tiram-nos das ruas. Igrejas são destruídas pelo povo e sentimos uma mudança nas vibrações do filme. O estado de antes, tão pesadamente composto, começa a se dissolver. Corta: vamos visitar as cooperativas agrícolas onde o trabalho comunitário é enaltecido como forma de superação. Não é uma apologia do trabalho, mas uma concepção de trabalho. Em Vertov, a nova sociedade sublima o trabalho para superar a escravidão, isto é, trabalham para afirmar a liberdade e a responsabilidade pelo futuro.

Ora, quem nos ouve tecer tais comentários sobre o filme pode imaginar Vertov um capitalista pregando a moral do trabalho ou um comunista buscando levar a revolução à frente. Não! As cenas poderiam ser dispostas de modo panfletário, mas são inusitadamente "musicais". Os sons captados não soam como trilha sonora ou sonoplastia: são o "interior" da cena, isto é, não servem como complemento dramático, mas como um elemento imprescindível na composição. Os intervalos são articulados, então, como forma de obter uma canção visual, arte do movimento, onde a música e a sensação "teatral" dos movimentos corpóreos são cinema. A composição vertoviana supõe uma outra relação com a imagem, que não a corriqueira, encharcada de plano americano, campo/contra-campo e close-up. 

(texto adaptado a partir de http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_4844.html)

Até a próxima, Marcia Bastos